segunda-feira, 15 de outubro de 2007

HAMURABI COMENTA

Guilda: Uma Odisséia Trans-Hibrida

Em meados da década de 60, as odisséias humanas reportavam ao espaço. Quase meio século depois, o homem entra em seu núcleo, literalmente, para recriar a si mesmo.
Hoje vivemos uma época que pode ser chamada de trans. Transformações políticas e sociais, transições de governo, trânsito de informações, transmutações genéticas. Inicio de milênio, estamos aprendendo a lidar com novas idéias, novas formas, novas raças, novas espécies, novos seres. São transgênicos, transgêneros, transexuais. Até a gordura do biscoito é trans. Sem eufemismos ou metáforas.
Atordoados por revoluções conceituais, perdidos em ideologias e esoterismos, não saímos mais às ruas para protestar. Não enfrentamos de peito aberto os tanques militares, não ficamos nus na lama dos festivais de música, não somos presos nem exilados. Introjetamos. Nos acorrentamos ao egoísmo e nos exilamos do mundo externo.
Nos anos que seguem a virada do século, procuramos nossas respostas no nosso íntimo. E as aplicamos no nosso próprio corpo, na mente, no sexo, no soma. Nos voltamos para dentro. E abundam cirurgias plásticas, terapias inter e transpessoais, hormônios anabolizantes ou catabólicos, a depender de cada interesse particular. Pois somos cada vez mais particulares, privados, individuais, sozinhos.
Neste admirável novo mundo, ainda perdido em crises de identidades, o que se encontra no meio do caminho é híbrido. Nem cá, nem lá. Já deixou de ser, mas ainda não é. E como numa crisálida, que já perdeu a voracidade de lagarta, mas ainda não possui o encanto de borboleta, encontramos os seres híbridos de Guilda.
A peça Guilda retrata e caricatura este novo apanágio da sociedade contemporânea: a autotransformação. Os seus personagens híbridos, mais do que representarem seres mistos, resultado da união de duas espécies distintas; mostram criaturas em estado de transformação. Sob variados estágios, nos revelam diferentes faces da nossa sociedade, da nossa personalidade. Insatisfeitos, incômodos, inconseqüentes, inconclusos. Assim são eles, assim somos nós.
Guilda também se distancia de padrões estabelecidos e rígidos para transcender a uma forma de espetáculo que poderia situar-se entre Brecht e o Teatro de Revista. Também híbrida, a peça nos faz rir do ridículo, do exagero, do descabido, de nós mesmos. Dos nossos fantasmas e fantasias, das nossas vergonhas louváveis e dúvidas arrogantes. A montagem revela o poder de chocar com o brilho, entreter com gritos e excitar com o escuro. O oposto do dejá vu. A vanguarda. Ou algo entre os dois.
k

Um comentário:

Vinícius Alves disse...

Excelente texto! Adorei!
Beijas