segunda-feira, 15 de outubro de 2007

MARCELO COMENTA

O HIBRIDISMO
Por Marcelo Sousa Brito

O corpo sempre foi um elemento essencial na minha carreira artística. É a partir do corpo que meus personagens nascem, quer dizer, de fora para dentro e é através dele que eu contribuo com outros interpretes a criarem seus personagens com o trabalho de preparador corporal. Com isso, a aplicação no estudo do corpo se torna maior.
Nesta aventura na busca de um corpo “vivo”, já passei pela dança, pelo teatro físico, pela dança-teatro, pela performance e pela mímica corporal dramática, o que me qualificou profissionalmente como ator-dançarino.
O hibridismo entra aí, neste momento de renovação, da busca de algo novo dentro deste corpo que eu imaginava conhecer muito bem: o meu corpo. Depois de muita pesquisa e experimentações através de exercícios propostos por estudiosos do teatro como Antonin Artaud, Jerzy Grotowski, Tadeuz Kantor é que cheguei ao hibridismo e todas as suas possibilidades.
Artaud pregava a busca de um corpo angelical, um corpo sem órgãos para que nasça a partir daí, uma multiplicidade corporal, o que se torna um limite para o ator e não um ponto de chegada. Um corpo político que se opõe a toda forma de organização. Ele é vazio e pleno por isso mesmo, o que resta quando tudo foi retirado, uma mistura de masculino e feminino na produção de um caos necessário para uma criação a partir do “nada”. E quando alcançamos este “nada”, este “vazio” é que começamos a viajar pelo nosso corpo sem preconceitos e sem limites. Um corpo sagrado, uma volta ao útero materno.
Com a modernidade este conceito de corpo híbrido sofreu várias interferências e foi absorvido por vários segmentos. A escritora e ensaísta cultural argentina Beatriz Sarlo traz uma nova vertente para este conceito que é o corpo tecnificado, onde podemos citar algumas formas de se enquadrar nesta prática: como a body-art e as intervenções cirúrgicas como as que são feitas pelos travestis. Para a escritora “o travestismo é a maximização dos traços sexuais da mulher. O que define sistematicamente o corpo da mulher, os seios e a cintura, são levados pelas travestis à sua hipérbole. Um corpo que busca, através de repetidas intervenções, a combinação de limites físicos e limites técnicos”.
As possibilidades de transmutações oferecidas pelas intervenções cirúrgicas e pelo culto ao corpo vêm realizando o sonho de muita gente de transformar o corpo, mudar, alterar traços e brincar de Deus, como é o caso de muitas transexuais que lutam na justiça para realizarem a intervenção cirúrgica de mudança de sexo.
Seja no corpo sem órgãos (uma conquista ritualística) ou no corpo tecnificado (uma conquista de direito), o corpo híbrido é a forma de chegar até os dois conceitos de uma forma mais plena, através da arte de entender o corpo-objeto.

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